Банкир-анархист и другие рассказы
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Um dia o Soares, que era o mais inteligente e por isso o mais est'upido dos dois, referindo, fora do escrit'orio, a um amigo as cenas habituais com o Pereira, recebeu desse a pergunta: «Mas porque diabo 'e que tu n~ao o esmagas com uma coisa pior que todas as piadas?» «Que coisa?», perguntou o Soares; «porrada?». «N~ao, n~ao digo isso… Melhor que isso: o sil^encio… Ele tem mais piada que tu; pois bem, arranja mais desprezo do que ele. Ele insulta mais, e tu olhas para ele e n~ao dizes nada. Ele insulta mais, e tu na mesma. Ele espuma e esbraveja, e tu idem e igualmente zero. Ver'as que n~ao h'a piada que ele possa dizer que valha o que tu n~ao dizes. O que tu n~ao dizes pode ser tudo; o que ele diz n~ao pode ser sen~ao o que ele diz, e, se calhar, muitas vezes nem isso 'e».
O Soares pensou e achou raz~ao, pelo menos provis'oria, ao conselho. E, ao contr'ario do que a prud^encia manda, seguiu-o. Mas, como 'e costume suceder quando se n~ao segue a prud^encia, fez bem.
Foi logo no dia seguinte, porque era todos os dias, e o dia seguinte n~ao era feriado. Surgiu um incidente que o Pereira fez o Soares ter feito surgir. E, sob os ouvidos fitantes do outro pessoal, o Pereira comecou. Os substantivos do costume uniram-se aos adjectivos da vizinhanca, e o car'acter, habilitac~oes, possibilidades penais, e outros atributos de um Soares de ret'orica, fulguraram no discurso. A certa altura, como o Soares n~ao dissesse nada, mas olhasse para o orador com uma ateng'ao despreocupada e vaga, o Pereira comecou a afrouxar. Seguiu a cena, de calado a pasmo, e o Pereira, afrouxando cada vez mais, foi-se tornando l'ivido. Ao fim de cinco minutos estava quase mudo e com a voz e a express~ao do olhar em v'esperas de l'agrimas. Ent~ao engoliu um pouco; e, dirigindo-se ao Soares numa voz tr'emula, disse:
Si vis bellum, para pacem.
O crist~ao e o cat'olico
Passeavam um dia juntos um crist'ao e um cat'olico. Disse de repente o cat'olico para o seu inimigo: «Meu amigo, creio que estamos de acordo». E o outro n~ao disse nada, porque todas as nac~oes que falaram concordaram em que o sil^encio 'e de ouro.
E ent~ao o cat'olico comecou:
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e aquela que se firma no rochedo de Pedro?
E o outro respondeu: «N~ao concordo».
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e aquela que se firma na mais antiga tradic~ao?
E o outro respondeu: «N~ao. N~ao concordo».
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e aquela que re'une os m'isticos e os soldados, os ascetas e os grandes pecadores?
E o outro respondeu: «N~ao posso concordar».
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e a Igreja de Cristo?
E o outro respondeu: «Sim, talvez, n~ao sei se concordo».
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e a que quer o bem da humanidade?
E o outro respondeu: «Com reservas, concordo».
— Concorda, n~ao 'e verdade, em que a verdadeira Igreja 'e a que for a verdadeira Igreja?
E o outro respondeu: «'E claro que concordo».
— Se estamos, pois, de acordo — disse o cat'olico —, vamos jantar juntos.
Assim fizeram, e como o cat'olico n~ao ficou ofendido e doesse ao crist~ao a possibilidade de o haver ofendido, foi o cat'olico que comeu com vontade e o crist'ao quem, por sua vontade, pagou a conta.
Moralidade:
Esta pergunta, mas da qual — a resposta de Lope de Vega, que se est'a em 1900.
O papagaio
Havia em um dos arrabaldes de Lisboa um homem chamado Silva. Este Silva casou, j'a pouco jovem, com uma vi'uva que tinha uma filha quase mulher. A mulher do Silva passou logo a domin'a-lo; e a enteada, `a medida que crescia, mais e mais ajudava a m~ae no dominio do padrasto.
O Silva passou a ser um trapo humano. Deixou de ter personalidade, vontade e lugar. Em tudo na vida dom'estica como na pr'atica, era um servo da vontade da mulher, quando o n~ao era da vontade, por vezes at'e espont^anea, da filha d'ela.
Como o dom'inio gera o desprezo, e o desprezo permite tudo, a mulher do Silva, apesar de n~ao ser de esp'irito leviano, foi levada, pelas circunst'ancias, a trair o marido. O amante, que era um indiv'iduo que fora promovido a primo d'ela para efeitos decorativos, foi elevado a quase residente na casa, e o Silva que n~ao podia ignorar a sua categoria sexual, tinha que o receber, que lhe sorrir bem e que lhe exprimir, por palavras e modos, o prazer que lhe dava a sua excessiva visita. E assim fazia o Silva.
Mais tarde, conseguiu a mulher do Silva que o amante fosse nomeado por este gerente e mandat'ario das suas propriedades, dele Silva. E assim seguia e se consumava o dom'inio do marido, mero animal pagante naquela engrenagem de domesticac~ao.
Ora o Silva tinha um papagaio — ave j'a velha e nem por isso muito esperta: gritava mais do que falava, e, quando falava, era sempre a mesma coisa. Um dia a mulher do Silva, macada, muito naturalmente, com o vozear do p'assaro, ergueu-lhe o poleiro da esc'apula sobre o quintal e vendeu-o a um viandante qualquer.
Quando o Silva voltou, `a noite, para casa, e lhe faltou, de a'i a minutos, a voz rouca da ave, procurou-a na esc'apula da parede sobre o quintal, n~ao a viu, e foi `a casa de jantar perguntar `a mulher por ele.
«Vendi-o» disse ela, e enteada ria. O Silva retirou-se como de costume, sem dizer nada.
Foi, por'em, ao quarto de cama, tirou o rev'olver da gaveta da mesa de cabeceira, voltou `a casa de jantar e, com dois tiros calmos, certos e sucessivos, matou a mulher e a enteada.
Moralidade:
Nac~oes imperiais e dominadoras, expansivas, cuidado sempre com o papagaio!
A varina e a l'ogica
Quando as quatro varinas corriam em losango pela r'ua e ao lado, a do avanco, loura e com olhos, deu com o instinto de troca contra o homem moco de barbas de velho que vinha tendo ar de s'abio pelo passeio `as avessas. E parou, e, instintivamente, os transeuntes pararam. E ela largou a m~ao de alto, de sobre a canastra, apontou para o homem e disse:
— Olhem para este barbacas.
Toda a paisagem humana riu junta.
O homem mogo de barbas velhas parou `a beira do passeio como de um cais, olhou abstracamente a varina, e disse num tom triste:
— Bem se v^e que foi tua av'o que te pariu!
A varina estacou mais, corou, emudeceu com uns poucos de sil^encios, e em torno rebentou, depois de um pouco, uma gargalhada do p'ublico j'a trespassado. N~ao se distingu'ia se a gargalhada era da resposta, se da conf'us'ao muda da varina loura.