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ЖАНРЫ

Банкир-анархист и другие рассказы
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Tr^es males humanos:

O da acc~ao.

O do pensamento.

O do sentimento — o precisar sentir qualquer coisa ante qualquer coisa.

A d'uvida 'e a certeza de n~ao estar certo.

Sentir talvez afirme de mais.

Tr'es ilus'oes da acc~ao humana:

— a do pensamento — a ilus~ao de explicar e resolver.

— a do sentimento — a ilus~ao de valorizar; ante uma coisa,

de ter de sentir qualquer coisa.

— a da vontade — de agir para qualquer coisa.

— s'o conhecemos as nossas absorc~oes.

Como encontrar um motivo para agir? Um crit'erio para pensar?

A d'uvida 'e a certeza de n~ao estar certo. Sentir talvez afirme de mais.

O autom'ovel ia desaparecendo

Eu explico como foi (disse o homem triste que estava com uma cara alegre), eu explico como foi…

Quando tenho um autom'ovel, limpo-o. Limpo-o por diversas raz~oes: para me divertir, para fazer exerc'icios, para ele n~ao f'icar sujo.

O ano passado comprei um carro muito azul. Tamb'em limpava esse carro. Mas, cada vez que o limpava, ele teimava em se ir embora. O azul ia empalidecendo, e eu e a camurca 'e que fic'avamos azuis. N~ao riam… A camurca f'icava realmente azul: o meu carro ia passando para a camurca. Afinal, pensei, n~ao estou limpando este carro: estou-o desfazendo.

Antes de acabar um ano, o meu carro estava metal puro: n~ao era um carro, era uma anemia. O azul tinha passado para a camurca. Mas eu n~ao achava graca a essa transfus~ao de sangue azul.

Vi que tinha que pintar o carro de novo.

Foi ent~ao que decidi orientar-me um pouco sobre esta quest~ao dos esmaltes. Um carro pode ser muito bonito, mas, se o esmalte com que est'a pintado tiver tend^encias para a emigrac~ao, o carro poder'a servir, mas a pintura 'e que n~ao serve. A pintura deve estar pegada, como o c'abelo, e n~ao sujeita a uma liberdade repentina, como um chin'o. Ora o meu carro tinha um esmalte chin'o, que sa'ia quando se empurrava.

Pensei eu: quem ser'a o amigo mais apto a servir-me de empenho para um esmalte respeit'avel? Lembrei-me que deveria ser o Bastos, lavador de autom'oveis com uma Canecas de duas portas ~nas Avenidas Novas. Ele passa a vida a esfregar autom'oveis, e deve portanto saber o que vale a pena esfregar.

Procurei-o e disse-lhe:

«Bastos amigo, quero pintar o meu carro de gente. Quero pint'a-lo de um esmalte que fique l'a, com um esmalte fiel e indivorci'avel. Com que esmalte 'e que o hei-de pintar?»

«Com BERRYLOID», respondeu o Bastos, «e s'o uma criatura muito ignorante 'e que tem a necessidade de me vir aqui magar com uma pergunta a que responder'ia do mesmo modo o primeiro chauffeur que soubesse a diferenca entre um autom'ovel e uma lata de sardinhas».

«Perfeitamente…»

«Com que 'e que voc^e quer pintar um carro», continuou o Bastos sem me ligar import^ancia, «sen~ao com um esmalte que seja ao mesmo tempo brilhante e permanente? E, ainda por cima, f'acil de aplicar… Isto do f'acil de aplicar 'e comigo, mas 'e uma virtude, e as virtudes citam-se… V'a-se embora!..»

«Bom…», disse eu.

«Isto de esmaltes de nitrocelulose», prosseguiu o Bastos, dando-me um encontr~ao, «n~ao 'e um assunto de mercearia a retalho. Tem uma coisa macadora a que se chama ci^encia. Sabe o que 'e? Mas 'e macadora para quem prepara as coisas; para n'os, que as recebemos preparadas para as aplicarmos, 'e um al'ivio e uma alegr'ia. Este BERRYLOID 'e produto de longos cuidados feito no primeiro laborat'orio de tintas, lacas e vernizes. Percebeu? N~ao 'e primeiro produto do g'enero que apareceu, porque o ser primeiro est'a bem se se trata de estar numa bicha, mas n~ao se se trata de tintas ou de coisas que metem estudo e provas. N~ao: nas tintas e na pr'atica, a 'ultima palavra 'e que 'e a primeira».

«Meu caro Bastos…», disse eu.

«S'o BERRYLOID», respondeu o Bastos, virando-me as costas.

«Eu quer'ia agradecer…», prossegui.

«Traga o carro», disse o Bastos.

Levei-lhe o carro e ele pintou-o a BERRYLOID. E n~ao h'a camurca, nem chuva, nem poeira da pior estrada, que consiga envergonhar esse esmalte de aco. Sim: o Bastos tratou-me mal, mas tratou bem a verdade. N~ao h'a nada como o BERRYLOID.

…Tanto assim que, quando comprei o meu segundo carro, tratei logo de saber se ele vinha j'a pintado a BERRYLOID. Ele a'i est'a na base da p'agina e no fim da minha hist'oria. Passa-se a camurca, mas 'e preciso usar 'oculos fumados: o brilho deslumbra. E, o que 'e mais, deslumbrar'a, porque dura.

A minha camurca dura eternamente. O que se tem gasto muito s~ao os 'oculos fumados; e os elogios dos amigos que v^eem os meus carros pintados a BERRYLOID.

Um grande portugu^es ou A origem do conto do vig'ario

Viv'ia, h'a j'a n~ao poucos anos, algures num concelho do Ribatejo, um pequeno lavrador, e negociante de gado, chamado Manuel Peres Vig'ario.

Da sua qualidade, como diriam os psic'ologos pr'aticos, falar'a o bastante a circunst^ancia que d'a princ'ipio a esta narrativa.

Chegou uma vez ao p'e dele certo fabricante ilegal de notas falsas, e disse-lhe:

«Senhor Vig'ario, tenho aqui urnas notazinhas de cem mil r'eis que me falta passar. O senhor quer? Largo-lhas por vinte mil r'eis cada uma». «Deixa ver», disse o Vig'ario; e depois, reparando logo que eram imperfeit'issimas, rejeitou-as: «Para que quero eu isso?», disse; «isso nem a cegos se passa». O outro, por'em, insistiu; Vig'ario cedeu um pouco, regateando; por fim fez-se neg'ocio de vinte notas a dez mil r'eis cada uma.

Sucedeu que dali a d'ias tinha o Vig'ario que pagar a uns irm~aos, negociantes de gado como ele, a diferenca de uma conta, no valor certo de um conto de r'eis. No primeiro dia da feira, em a qual se deveria efectuar o pagamento, estavam os dois irm~aos jantando numa taberna escura da localidade, quando surgiu pela porta, cambaleante de b^ebado, o Manuel Peres Vig'ario. Sentou-se `a mesa deles, e pediu vinho. Da'i a um tempo, depois de v'aria conversa, pouco intelig'ivel da sua parte, lembrou que tinha que tinha que pagar-lhes. E, puxando da carteira, perguntou se se importavam de receber tudo em notas de cinquenta mil r'eis. Eles disseram que n~ao; e, como a carteira nesse momento se entreabrisse, o mais vigilante dos dois chamou, com um olhar r'apido, a atenc~ao do irm'ao para as notas, que se via eram de cem.

Houve ent~ao a troca de outro olhar.

O Manuel Peres, com lentid~ao, contou tr'emulamente vinte notas, que entregou. Um dos irm~aos guardou-as logo, tendo-as visto contar, nem se perdeu em olhar mais para elas. O Vig'ario continuou a conversar, e, v'arias vezes, pediu e bebeu mais vinho. Depois, por natural efeito da bebedeira progressiva, disse que queria ter um recibo. N~ao era uso, mas nenhum dos irm~aos fez quest~ao. Ditava ele o recibo, disse, pois queria as coisas todas certas. E ditou o recibo — em recibo de b^ebado, redundante e absurdo: de como em tal dia, a tais horas, na taberna de fulano, «estando n'os a jantar» (e por ali fora com toda a prolixidade frouxa do b^ebado…), tinham eles recebido de Manuel Peres Vig'ario, do lugar de qualquer coisa, em pagamento de n~ao sei qu^e, a quantia de um conto de r'eis em notas de cinquenta mil r'eis. O recibo foi datado, foi selado, foi assinado. O Vig'ario meteu-o na carteira, demorou-se mais um pouco, bebeu ainda mais vinho, e da'i a um tempo foi-se embora.

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